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  • Writer's pictureNA PONTA DA AGULHA

Feito à Mão - Ser TAO – O Caminho




Ser TAO – O Caminho

André Balboni e Quadril Quarteto de cordas


A última viagem que fiz antes do isolamento social foi em fevereiro, para visitar as cavernas do PETAR - Parque Estadual Turístico do Alto da Ribeira. Acampamos no Moriá, camping do seu Maurício e família, com quem passamos longas horas aprendendo sobre a simplicidade da vida e sobre agir em coerência com a natureza em nossa breve passagem por esse mundo. Foi um tempo em que a sabedoria verteu dos olhos daquela gente. E dos nossos, pouco sábios, porém não menos encantados.


Nosso guia, o Seu Milton, era um senhor de pouca prosa. No primeiro dia, já desgostamos porque não nos contou as datas, nem a história, nem o contexto precedente das cavernas. Não sugeria os melhores ângulos para fotos, nem nada do que os outros guias supostamente deveriam fazer. Mesmo assim, seguimos para o dia seguinte, e o seguinte, e quanto mais tempo ao lado do silêncio do Seu Milton, e de todos os pequenos cuidados dele com o grupo (estávamos com um pequeno aventureiro de 7 anos), mais aprendíamos sobre a simplicidade. Sobre sentir e não raciocinar. Sobre encantamentos silenciosos e cavernas meditativas.

Um dia, depois de caminharmos pela caverna Santana, famosa por suas instalações percussivas, cantarolando melodias imaginárias e inventando ritmos sem compasso, Seu Milton soltou o verbo:


- Nesta caverna aqui, Hermeto Pascoal gravou com seus músicos. Ele visitou o parque, organizou tudo, instalou equipamentos...


Foi o nascimento da Sinfonia do Alto da Ribeira, em 2012. Uma composição do mago Hermeto Pascoal em parceria com a natureza. Um olhar junto e através, uma proposta de extensão de caminhos e percursos musicais em que o contexto é tão parte da composição quanto cada nota criada por seu compositor e tocada por seus intérpretes.


No mesmo ano, o músico Jarbas Agnelli foi inspirado por uma foto na qual pássaros descansavam e sem querer desenharam uma melodia na pauta dos fios elétricos. A imagem foi registrada pelo jornalista Paulo Pinto, do jornal O Estado de S. Paulo. A composição “Birds on the Wires” nasceu dessa leitura poético-musical sobre a natureza e suas nuances silenciosas de comunicação, no diálogo com o ambiente ao qual pertencem. A canção viralizou, tanto pela sua história quanto pela sua beleza musical.


“Ser Tao”, novo disco do instrumentista, compositor e terapeuta André Balboni, é uma obra instrumental inspirada pelo livro “Grande Sertão Veredas, de Guimarães Rosa”. São 10 faixas interpretadas por André Baldoni na companhia do Quadril Quarteto de Cordas, formado por quatro instrumentistas mulheres – Alice Bevilaqua e Mica Marcondes (violinos), Elisa Monteiro (viola) e Vana Bock (violoncelo).


“Ser Tao” desenha em sua pauta, provavelmente não desavisada, um caminho sofisticado que soa simples para quem ouve. Um instrumental que poderia estar escrito na pauta desenhada por pássaros ou brotar de melodias imaginárias no interior de cavernas.


Talvez o álbum seja uma homenagem involuntária a Moraes Moreira, que morreu em abril deste ano. Em 2018, o eterno novo baiano lançou o disco “Ser Tão”, em que navega pelas veredas do cordel. A diferença é que a sonoridade de André, mais profunda, é não verbal– ao contrário do álbum de Moraes, inspirado pela literatura de cordel. André é guiado pela tradição inovadora de Heitor Villa-Lobos, que deu cara e corpo à música folclórica brasileira. Assim, “tão” ganhou novas cores e interpretações.


TAO é uma palavra traduzida do ideograma chinês, para descrever “caminho”. E nesse caminho, a relação entre o homem e a natureza, o homem e sua comunidade, o eu e o outro, a parte e o todo. Assim como em “Grande Sertão Veredas”, Guimarães Rosa descreve as narrativas inventadas no cotidiano inquieto, filosófico, complexo e ao mesmo tempo, muito simples de seus personagens.


Como a imagem da lua exatamente como a enxergamos (ou nos enxergamos) no céu, quando o ciclo alcança a metade do tempo no quarto minguante, ou a metade do tempo no quarto crescente: metade luz, metade sombra. Céu e terra, começo, fim e continuidade. O TAO.


“Ser Tao” é uma boa companhia para o caminho de quem está há 5 meses na caverna de casa, inventando seus sertões, observando a lua, desenhando pautas despretensiosas, sentindo saudades de voar sem medo pelos ambientes aos quais pertence.




Texto de Janaina Fellini

Colaboração e edição de Cristiano Castilho

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