André Sztutman é artista visual e Sztu é músico. Os dois são a mesma pessoa estendida, com uma dose de complexidade humana e múltiplas camadas movimentadas em várias direções, como um caleidoscópio girando e criando, a cada trajeto, novas combinações.
Sztu gravou seu primeiro álbum em 2017, mas não lançou porque André Sztutman decidiu fazer mestrado na Colômbia. Ambos voltaram ao Brasil e, em 2020, embrulharam e enviaram o presente “Lances” para o mundo. Um giratório caleidoscópico celular ou universal, aqui ou lá, romântico ou realista, refinado ou cru, definindo sua trajetória de acordo com a direção para a qual é movimentado.
“Lances” foi produzido por Sztu em parceria com Edu Camargo e Thiago Nassif e traz na banda núcleo os músicos João Fidelis na bateria, Arthur Decloet no baixo, William Bica na percussão e trombone e Edu Camargo na guitarra. Nas gravações, Sztu foi acompanhado por Maria Beraldo (clarinete), Chicão Montorfano (teclados), Fernando Goldenberg (trompete e gaita), Guilherme Lirio (guitarra e sinths), Angelo Ursini (flauta, sax e pífanos), Chico França (bateria), Caio Falcão e Irene Rodevia (vozes). Em que pese essa ficha técnica de respeito, o que deixa a sonoridade leve e fluida é mesmo o que dizem os caminhos escolhidos para transformar as composições em música, as palavras em poesia, o som em paisagem.
Naturalmente, a sonoridade produz imensas sensações imagéticas. Lembro-me do álbum do próprio Thiago Nassif, que já circulou pelos textos daqui, e que tem esse mesmo contorno. É um tipo de música que abre espaços específicos para ver, para estar, para desenhar, criar textura, desmembrar, acompanhar. Lembro-me também do experimento do botânico francês René Desfontaines (1750-1833), que colocou um grande número de plantas da espécie Mimosa pudica (dorme-dorme) para circular em uma carruagem por Paris. O passeio deveria incluir paisagens interessantes e locais agradáveis, e tinha como objetivo estudar o comportamento e verificar a possibilidade de memória das plantas. Em 2013, o experimento foi adaptado e repetido pelos cientistas Monica Gagliano e Stefano Mancuso no LINV (Laboratório Internacional de Neurobiologia Vegetal de Florença). A Mimosa pudica é capaz de catalogar e lembrar-se de eventos por mais de 40 dias, superando a memória de muitos insetos, por exemplo. Já a memória aqui dita como minha, supostamente ser humana com cérebro aparentemente funcional, leva a pensar nos lances da vida contemporânea, um assunto fino ou complexo, validado por um Sztu delicado e certeiro na faixa de abertura e que nomeia o seu trabalho de número um, pelo menos como músico solo.
“Beleza”, última faixa do pequeno álbum, pode ser encantadora ou política. “Fogaréu e Aguaceiro” pode ser delicada ou cuspidora de lava, assim como “Nenhum Um” já define seu ‘ou’ no próprio nome. A mim aconchega a ideia de sermos uma célula de um universo inteiro, parte de um respiro único, dentro de um sistema completo, complexo, e que diz de uma vida que é – ou não é – por um triz. Nada nas mãos, sem direção e a cada dia, essa escolha.
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