Delírios Líricos – Tatá Aeroplano
Para ouvir Delírios Líricos, feche os olhos. Coloque uma roupa brilhante, adereços exagerados, algo fora do comum. Dance com gestos que não faria em público. Celebre e chore em casa, ao acessar uma ponta de lembrança dos seus planos para o ano de 2020, da solidão, do isolamento. Ouça os arranjos e as guitarras contemporâneas e ao mesmo tempo, deslocadas. Um convite que chama para já, enquanto te leva para algum lugar do passado. Algo que já foi ouvido, que já foi dito na pronúncia de outras palavras. Um duvidoso Déjà vu. Um delírio.
Ainda de olhos fechados, imagine que o Brasil está sob um contexto social e político lastimável. Que a morte ronda as casas de todos aleatoriamente. Que faltam articulação e liderança. Confiança e decisões assertivas na economia. Imagine também, que os artistas, diante desse contorno absurdo e improvável, estivessem produzindo obsessivamente, conteúdos que dão conta deste cenário, em estéticas variadas: melancólicas, tristes, eufóricas, otimistas, raivosas, pessimistas, sonhadoras e futuristas.
Você está em 2020, ou em 1967? Ouve Tatá Aeroplano – aqui como um representante da produção contemporânea brasileira – ou os tropicalistas, com suas guitarras deslocadas e desesperadas por redescobrir o Brasil e seus valores genuínos, por desenhar o contorno e a dignidade de seu povo, que à época, vivia as consequências do Golpe de 64? O mesmo povo, que deslocado para hoje, vive às voltas com paradoxos delirantes como discutir a possibilidade de morar em um planeta plano, de usar a cloroquina como cura milagrosa em meio a uma pandemia sem ministro da saúde, de assistir perplexo e paralisado, o genocídio dos povos originários, de receber o convite diário a um tipo de ilusão baseada nos requintes de marketing perversos massivos e impiedosos, diante de uma população que parece não ter em si ainda, a dimensão de sua potência. E reúne poucos traços de seu próprio contorno.
Assuntos como política, religião, amor, cultura e muita poesia são distribuídos em cada uma das 9 faixas, do álbum Delírios Líricos. Este é o sexto trabalho solo da carreira de Tatá Aeroplano, e conta com as participações de Bárbara Eugenia, Biba Graeff e Malu Maria. A produção foi coletiva, em parceria com Dustan Gallas, Junior Boca, Bruno Buarque e Lenis Rino.
Agora abra os olhos. Espero que você esteja dentro da sua casa, chegando ao fim dessa viagem com a trilha sonora perfeita, onde a poesia de Tatá Aeroplano nos salva da sensação delirante de não sabermos mais onde está a realidade e o tempo cronológico dos eventos diários no Brasil. Vivemos um delírio – lírico – constante que precisa como nunca da arte à frente dos movimentos que agora fervem dentro de quatro paredes, e que irão surgir sem demora, tão logo o sonho contemporâneo coletivo, dê conta do delírio político massivo e surja como força de produção, de regeneração, de alegria. Essa imagem também é um possível delírio.
Delírios Líricos é o álbum que você ouve na segunda-feira, no Programa Na Ponta da Agulha, apresentado por Jorge Lz.
Comentários