"Besta Fera" é o novo disco de inéditas de Jards Macalé… a espera foi longa… 21 anos… coincidentemente, 21 anos é o mesmo tempo que ficamos sob um regime ditatorial, que cobriu de trevas o Brasil… as coincidências não param por aí…
O primeiro single do disco, “Trevas”, de Macalé a partir do poema “Canto I”, de Ezra Pound, em tradução de Augusto Campos, Haroldo de Campos e Décio Pignatari, já escancarava o que teríamos pela frente… a música traz uma ambientação sombria e sufocante, que serve de suporte para a voz de Macalé entoar “… chegamos ao limite da água mais funda, levanta o olhar pro céu…”, até chegar ao final, sumindo afogada…
Cada uma das faixas de “Besta Fera” funciona perfeitamente sozinha, mas é no conjunto delas que se dá a potência da obra… seja pelas canções ou pela execução das mesmas, o disco é tenso e se movimenta no tempo e no espaço… é como se fosse uma pintura de um quadro que representa o país caótico em que vivemos, feita a partir do seu passado e principalmente do seu presente, deixando uma sensação angustiante do que teremos no futuro… isso reforça a atemporalidade do trabalho de Macalé. Se levarmos em conta que a faixa título foi composta no final dos anos 60, ela é, de certa maneira, premonitória do que estamos vivendo hoje no Brasil e no mundo… o que acaba nos levando a refletir sobre uma frase de outra faixa do disco composta por Macalé, “Tempo e contratempo”, que diz: “o tempo não existe, essa é que é a graça”… ou seja, Jards Macalé é filosofia em estado bruto!
Nas composições do disco, Macalé combina adaptações de textos de Gregório de Mattos e de Ezra Pound com o parceiro de sempre, Capinam, e com novas parcerias com Tim Bernardes, Kiko Dinucci, Thomas Harres, Romulo Fróes, Rodrigo Campos, Clima e Ava Rocha.
“Besta Fera” tem direção artística de Romulo Fróes e foi produzido por Kiko Dinucci e Thomas Harres. O trio soube dar vazão à toda criatividade de Macalé e o ajudou a construir tudo o que se esperava dele e um pouco mais, pois o “surpreendente” é um elemento que sempre surge em seus trabalhos.
O time escalado para acompanhar Macalé foi composto por Kiko Dinucci, Pedro Dantas, Thomas Harres, Guilherme Held, Rodrigo Campos, Thiago França, Amilcar Rodrigues, Allan Abbadia, Filipe Nader, Luê, Thai Halfed, Alejandra Luciani e Ariane Molina, além das participações especiais de Romulo Fróes, Tim Bernardes, Juçara Marçal e Clara, Irene e Laurinha, da Velha Guarda Musical da Nenê de Vila Matilde.
“Besta Fera” já é um dos grandes discos de 2019 e Jards Macalé segue como um artista fundamental, que depois de mais de meio século de carreira, continua sendo único, instigante, provocador e necessário. Mais que isso, um artista generoso, que troca com todas as gerações e que mostra que o tempo não existe, é apenas uma convenção… o ontem, o hoje e o amanhã estão completamente misturados em sua obra; o país pode estar um horror, mas temos artistas como Jards Macalé, que nos fazem perceber o quanto vale a pena estar aqui!
Esta publicação é a primeira contribuição do NA PONTA DA AGULHA para o site KURUMA'TÁ.
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