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COLUNA NA PONTA DA AGULHA #019

NO REINO DE BRUNO BERLE

Beleza, leveza e simplicidade - as ferramentas do artista alagoano



Cantor, compositor e multi-instrumentista, o alagoano Bruno Berle já tinha me chamado a atenção com as faixas Lembrança e Viva, lançadas como single, em 2019, e pelo seu trabalho nas bandas Troco em Bala e The Mozões. Com o lançamento de “No reino dos afetos”, em 2022, produzido em parceria com Batata Boy, o que se mostrava interessante atingiu um outro estágio, comprovando que Bruno não era apenas mais um nome entre as centenas de novidades que surgem na música pop nacional. Não por acaso, o álbum foi lançado no mercado britânico pelo selo Far Out Recordings, que possui em seu catálogo pesos pesados da música brasileira, como Arthur Verocai, Azymuth, Joyce Moreno e Marcos Valle.


Na época do lançamento, em uma entrevista, Bruno foi certeiro ao dizer que a ideia do álbum partiu da sua vontade de encontrar a beleza… beleza é a palavra que define o seu som, que vai muito além do incensado lo-fi. Sua música impressiona, principalmente, por dois fatores que não andam tão comuns no universo pop: simplicidade e verdade. Ser simples e verdadeiro não é algo fácil na indústria musical, que funciona como máquina de moer gente… basta dar uma conferida na maioria das playlists pra constatar que sobra “mais do mesmo”, em produções ocas, que atendem perfeitamente à demanda das plataformas, em uma verdadeira armadilha difícil de escapar, quando se está lutando para sobreviver.




Recentemente, a parceria com Batata Boy rendeu “No reino dos afetos 2”, editado pela Coala Records, no Brasil, Far Out Recordings, na Inglaterra e Psychic Hotline, nos Estados Unidos. Nele, Bruno aperfeiçoa sua arte, adicionando outros elementos no seu artesanato de delicadezas, construindo uma obra sensível, que traz os estágios da paixão como norte.


Ainda que o cenário seja mais urbano em “No reino dos afetos 2”, em relação ao álbum antecessor, onde as paisagens eram mais ligadas à natureza (o que é reflexo da mudança de Bruno, de Maceió para São Paulo), a leveza na produção é mantida, assim como nos arranjos, através de um minimalismo trabalhado com refinamento e criatividade para preencher os espaços, criando uma atmosfera acolhedora para a audiência, que se sente parte desta ode ao amor.


A valorização da canção é um dos pontos altos do álbum e impressiona como são aparadas as possíveis arestas entre a exuberância natural da música popular brasileira e a forma sintética que caracteriza o lo-fi. A conexão feita por Bruno e Batata Boy entre os dois universos é sustentada pela precisa e orgânica utilização dos recursos técnicos.

Isso fica claro, por exemplo, em Acorda e vem, parceria do Bruno com Dadá Joãozinho, onde, ao contrário da banalização do uso do auto-tune, enxarcando a voz, a ponto de esta soar como um teclado, a dupla utiliza o efeito na medida, dando a dramaticidade ideal para a interpretação.





Já na abertura de “No reino dos afetos 2”, entramos em contato com o alto astral do arranjo solar de Te amar eterno, de João Menezes. A ambientação solar também marca presença em Margem do céu, de Bruno Di Lullo e Domenico Lancellotti, canção com acento jazzístico carioca; a romântica e primorosamente produzida, New hit, parceria com Batata Boy; e Tirolirole, de Phylipe Nunes Araújo, single que antecedeu o álbum e séria candidata a hit. Completam o repertório, a instrumental e climática, Sonho, do Bruno; a belíssima balada É só você chegar, onde se destacam o piano tocado pelo Bruno e as flautas de Gabriel Milliet; Love comes back, do compositor estadunidense Arthur Russell, uma das referências de Bruno; Dizer adeus, parceria com Batata Boy, outra em que o auto-tune é usado com parcimônia; e Quando penso, parceria com Itallo França, Batata Boy, a mais minimalista e melancólica do álbum, com Bruno se acompanhando ao violão, tendo ao fundo o som de um dia chuvoso.


Bruno Berle e Batata Boy se encarregaram de quase toda a instrumentação, contado com a participação de um time de peso formado por Antonio Neves, bateria; Bem Gil, guitarra; Biel Basile, d’O Terno, conga, balafon, pandeirola eshakers; Bruno Di Lullo, baixo; Dada Joãozinho, sample e sintetizadores; Danilo Andrade, teclados; Domenico Lancellotti, bateria, guitarra e sintetizador; Gabriel Milliet, flautas; João Menezes, atabaque e coro; Marvin Vieira, guitarra; Meno Del Picchia, baixo acústico; Nyron Higor, surdo e baixo acústico; Thomas Stankiewicz, sintetizadores; e Marina Nemesio, Manda Conti e Oriana Perez, no coro.


Em “No reino dos afetos 2”, Bruno Berle usa a beleza, a leveza e a simplicidade como ferramentas poderosas na construção de uma identidade estética particular. Com a sensibilidade à flor da pele e a serenidade de quem é verdadeiro no que faz, pavimenta um caminho cada vez mais firme, na contramão da frivolidade vigente, garantindo, assim, seu lugar entre os nomes mais criativos do cenário pop contemporâneo.





Coluna publicada no site Itaú Cultural por: Jorge Lz


Carioca, radialista, curador, pesquisador musical, produtor cultural e DJ. Produz e apresenta o programa semanal Na ponta da agulha, na Rádio Graviola, é curador do Festival Levada e integra o Radialivres, coletivo de radialistas do Brasil. Foi idealizador e curador do Festival BRio e do projeto Verão Musical no Castelinho, e produziu e apresentou os programas Geleia Moderna, Radar e Compacto, na Rádio Roquette-Pinto

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