COCHICHO NO SILÊNCIO VIRA BARULHO, IRMÃ, DE VERÔNICA FERRIANI
A maternidade e as questões desencadeadas por ela tratadas em um álbum duplo
Paulista, de Ribeirão Preto, a cantora, compositora, instrumentista e produtora, Verônica Ferriani acaba de lançar Cochicho no silêncio vira barulho, irmã, seu primeiro álbum duplo. Na sua discografia, além de vários álbuns colaborativos, com nomes como Cainã Cavalcante, Chico Saraiva, Gian Correa, Manoel Cordeiro, Marcelo Cabral e Swami Jr., estão os solos Verônica Ferriani (2009), Porque a boca fala aquilo do que o coração está cheio (2013) e Aquário (2018).
Cantora afinadíssima e compositora de extrema sensibilidade, Verônica tem como uma de suas características principais o cuidado com que constrói sua obra. Seu trabalho é feito com sofisticação, influenciado pela excelência que formou a música popular brasileira e pelo jazz, sem que isso torne seu trabalho elitista. Muito pelo contrário. Sua abordagem musical dialoga, o tempo inteiro, com seu público, trazendo-o para bem perto de si, com interpretações quentes e verdadeiras.
Dividido em duas partes (“Cochicho no silêncio” e “Vira barulho, irmã”), o álbum tem como conceito a maternidade e trata das inúmeras questões que por ela são desencadeadas. Da relação de amor e encantamento com o novo ser, passando pela amamentação, o cuidado, a mudança do corpo, o impacto no sexo e na vida amorosa, a depressão pós-parto, a demanda incessante, a busca de liberdade e a redescoberta da individualidade. Toda essa carga ganha contornos ainda mais acentuados pelo fato de vivermos numa sociedade que foi construída em alicerces machistas, resultando em uma pesada ditadura patriarcal. Este assunto urgente e incontornável foi tratado por Verônica de forma conciliatória aos homens, buscando uma transformação conjunta, a partir do único olhar possível, que é o feminino. Em um tom íntimo e confessional, o repertório foi desenvolvido relacionando as sensações provocadas pelo tema às diversas vertentes da música popular brasileira e amparado por arranjos que variam do minimalismo à grandiosidade, explicitando a beleza das composições. Das 20 faixas, apenas três não são de autoria de Verônica: “La mer”, de Anaïs Sylla, e as vinhetas “Acorda, mamãe”, que é um canto de trabalho, de domínio público, e “Peitos caídos”, de Flaira Ferro.
Dando mais ênfase ao caráter feminino da obra, Verônica reuniu, em torno de si, um grupo formado só por mulheres, inclusive, na parte técnica. Ela se encarregou do violão e percussão, e convocou Alana Ananias para assumir bateria e overdub; Aline Falcão, os teclados e guitarra; Dani Virgulino, a zabumba e triângulo; Duo Siqueira Lima, os violões; Elodie Bouny, o violão; Estefane Santos, o trompete e flugelhorn; Joana Queiroz, o clarone; Lívia Mattos, a sanfona; Maiara Moraes, a flauta transversal; Nanda Guedes, a sanfona; Nilze Carvalho, o bandolim; Samara Líbano, a viola 7 cordas; Suelem Sampaio, a harpa sinfônica; Thais Nicodemo, os teclados; Vanessa Ferreira, os baixos acústico e elétrico; Victória dos Santos, a percussão; Vivian Kuczinsky, a guitarra; e as cordas ficaram com Jennifer Cardoso, na viola; Wanessa Dourado, no violino 1; Letícia Andrade, no violino 2; e Mayara Alencar, no cello. Como se não bastasse o elenco apuradíssimo, Verônica ainda contou com as vozes de Áurea Martins, na faixa título; Mônica Salmaso, em “Amor que fica”; Flávia Maia e Mairah Rocha, em “Acorda, mamãe”; Anaïs Sylla, em “La mer”; Assucena, em “Sem regras”; Alessandra Leão, em “Não me contento”; Giana Viscardi, em “Permitir-se”; Flaira Ferro, em “Peitos caídos”; e Lurdes da Luz, em “Passada de pano”.
Na parte técnica, Verônica foi responsável pelas produções executiva e musical, edição instrumental e dividiu a edição de vozes com Bianca Mello; Vivian Kuczynski assinou a pós-produção musical e a mixagem; Ana Brun se encarregou da arte gráfica; Manuela Eichner, das capas, Patrícia Ribeiro fez as fotos e vídeos de estúdio; Thais Taverna, as fotos de divulgação; Greta Escobar cuidou do figurino; e Juliana Vacaro, da maquiagem e do cabelo.
Forte e sensível, denso e suave, cerebral e emocional. Cochicho no silêncio vira barulho, irmã demonstra o poder do pensamento feminino, assim como a magnitude de sua arte. Reforçando o discurso, Verônica conseguiu dar ainda mais amplitude ao conceito do álbum ao reunir mulheres de várias regiões e várias gerações, promovendo uma verdadeira comunhão de saberes.
Levando-se em consideração o caráter conciliatório proposto por Verônica Ferriani, cabe aos homens, nesta equação, ouvirem com atenção o que é dito e cantado, juntarem-se às mulheres na busca por uma sociedade mais justa e igualitária e agradecer por essa obra de arte tão importante e inspiradora.
Coluna publicada no site Itaú Cultural por: Jorge Lz
Carioca, radialista, curador, pesquisador musical, produtor cultural e DJ. Produz e apresenta o programa semanal Na ponta da agulha, na Rádio Graviola, é curador do Festival Levada e integra o Radialivres, coletivo de radialistas do Brasil. Foi idealizador e curador do Festival BRio e do projeto Verão musical no Castelinho, e produziu e apresentou os programas Geleia moderna, Radar e Compacto, na Rádio Roquette-Pinto
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