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COLUNA NA PONTA DA AGULHA #015

PONTA DA LÍNGUA, DE SOFIA FREIRE

A LÍNGUA COMO PONTO DE PARTIDA DE SABORES E SABERES



Cantora, compositora, instrumentista e produtora, a pernambucana Sofia Freire está lançando Ponta da língua, seu terceiro álbum e o primeiro em que assinou sozinha a produção. Os álbuns anteriores são Garimpo (2015), produzido por ela, ao lado de Homero Basílio, Chiquinho e China e Romã (2017), desta vez produzido por ela, Homero e Chiquinho.


Ativa, para além de sua carreira autoral, Sofia participou dos álbuns Atiça, da banda Eddie, Virada na Jiraya, de Flaira Ferro e Sóis, da dupla Babi Jacques e Lasserre (este, comentado aqui, na coluna). Além disso, integrou a banda de Gilberto Gil, em parte da turnê Refavela 40 e, ao lado de Regis Damasceno, participa do projeto Dracena, que é capitaneado por Alessandra Leão, Isaar e Karina Buhr (trio que formou nos anos 1990 o grupo Comadre Florzinha). Em todos esses trabalhos, Sofia demonstrou extrema desenvoltura, porém, em seu trabalho solo é que temos a real dimensão do seu talento.





Desde o início da carreira, Sofia se destacou com sua abordagem da música pop de forma criativa e nunca caindo na mesmice, que tomou conta do estilo altamente massificado pelos veículos de comunicação. Suas construções harmônicas prendem a atenção da audiência ao apresentar caminhos não óbvios, levando a canção para ambientes surpreendentes, onde estranheza não significa desconforto.


É possível perceber no universo musical de Sofia, além do mergulho na música popular brasileira, influência de artistas que buscam o alargamento das fronteiras, como a islandesa Björk e o grupo escocês Cocteau Twins. Isso é nítido em Ponta da língua, onde ela sobrepõe camadas de vozes e de teclados e cria uma atmosfera onírica, que permeia todo o álbum.


Ponta da língua é o resultado da superação de um bloqueio criativo, que se abateu sobre Sofia durante a pandemia. Com dificuldade de lidar com seus sentimentos, ela se viu com muito a dizer, mas sem saber como, daí a ideia de “tá na ponta da língua, mas não sai...”. Aos poucos, as letras foram brotando e o conceito do álbum se materializou na língua como o órgão que identifica os sabores - o que será deglutido ou não - e como veículo da palavra, a comunicação, a propagação dos saberes. Considerada excelente musicista, Sofia estende sua competência para o texto, elaborando frases que tiram o melhor das palavras e de seus sons, desnudando suas fantasias, anseios e desejos, ao mesmo tempo em que demonstra uma maturidade artística impressionante.





Gravado e produzido por Sofia em sua casa, mixado por Homero Basílio e masterizado por Buguinha Dub, Ponta da língua traz nove faixas compostas apenas por Sofia (a exceção é “Dentro mim”, que foi feita em parceria com Igor de Carvalho); duas delas anteciparam a chegada do álbum, “Minha imaginação”, lançada em 2023, veio acompanhada de um vídeo gravado, editado e dirigido pela Sofia e, no início de 2024, foi a vez de “Mormaço”, com direito a um visualizer gravado, fotografado e editado por Luara Olívia.


Em cada um dos álbuns é possível reconhecer uma “Sofia” diferente, que, no fundo, é uma só. Compreendendo isso e dando importância equivalente para suas capacidades e incapacidades, Sofia pavimenta seu caminho e segue, inquieta, experimentando e promovendo suas transformações, olhando para dentro de si e para o cosmos, forjando, assim, sua assinatura. Ponta da língua mostra que o que era um bloqueio criativo explodiu conceitualmente, resultando em um trabalho que, soando etéreo, aponta para algo concreto, que é o amadurecimento de uma das artistas mais interessantes surgidas na música pop brasileira, nos últimos tempos.








Coluna publicada no site Itaú Cultural por: Jorge Lz


Carioca, radialista, curador, pesquisador musical, produtor cultural e DJ. Produz e apresenta o programa semanal Na ponta da agulha, na Rádio Graviola, é curador do Festival Levada e integra o Radialivres, coletivo de radialistas do Brasil. Foi idealizador e curador do Festival BRio e do projeto Verão musical no Castelinho, e produziu e apresentou os programas Geleia moderna, Radar e Compacto, na Rádio Roquette-Pinto


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