“MARÉ VERMELHA”, DE MIHAY
IMPERMANÊNCIA, RECONSTRUÇÃO E ESPERANÇA MA TRANSFORMAÇÃO ATRAVÉS DO AMOR
Cantor e compositor, nascido e criado no Rio de Janeiro, Mihay encarna a figura do carioca clássico: encantador, fala mansa, sorriso estampado e aquele jogo de cintura, típicos de figuras da Cidade Maravilhosa... de 50 anos atrás. Nada a ver com a malandragem, arrogância, truculência e superficialidade, que hoje tomou conta dos quatro cantos cidade, inclusive, em diversos de seus representantes, alguns deles exportados para outras capitais.
A boa carioquice de Mihay, não se fecha no Rio, dialoga para além das fronteiras, em uma música que abraça, conforta e enche os ouvidos de bons sons, simultaneamente praieiros e urbanos, como fica claro no recém-lançado Maré vermelha e também nos álbuns anteriores de sua discografia, composta por Respiramundo, de 2008; Gravador e amor, de 2016; e Amor em tempos nublados, de 2018.
Em Maré vermelha, Mihay desenvolveu o conceito artístico, partindo do fenômeno natural em que o mar apresenta manchas escuras causadas pela floração de algumas algas, tornando, por muitas vezes, o ambiente tóxico para a fauna e flora marinhas e para os seres humanos. Assim como surge, a maré vermelha desaparece. Mihay traçou um paralelo entre este fenômeno e a pandemia pela qual o planeta passou, fazendo com que a humanidade, após uma onda que matou milhões de pessoas, fosse obrigada a rever seus conceitos, alterando a forma de interagir com as outras pessoas e com o meio ambiente.
O repertório, que é formado por dez canções, reflete a tristeza do momento, mas não renuncia a um olhar para frente, buscando uma perspectiva otimista com a mudança da maré. A palavra que define bem o conceito do álbum é “impermanência”. Os ciclos se alternam e é preciso aprender com eles e também a lidar com os mesmos.
Das dez canções, nove foram escritas por Mihay , três delas em parceria: “Pé”, com Lucina que, além de uma linda carreira solo, formou a dupla Luli & Lucina; “Seu carnaval descansa”, com Romulo Fróes, um dos principais nomes da música brasileira contemporânea; e “João e Mariá”, com Romulo Ferreira e o eterno João Donato, com quem Mihay desenvolveu, além de uma grande amizade, um trabalho assíduo, a ponto de ter gravado em um disco do João e ter excursionado pela Europa com ele, além de contar com as presença do gênio em todos os seus álbuns. A única faixa que não tem a autoria de Mihay é “Anos incríveis”, composição do baiano Giovanni Cidreira.
Mihay contou que o universo musical setentista de Jards Macalé foi uma influência, para a atmosfera de Maré vermelha, mas é impossível não sentir a presença, nessa atmosfera, do já saudoso Erasmo Carlos, principalmente da fase Carlos, Erasmo, sua obra prima, de 1971.
Com direção artística de Marcus Preto e produção musical de Lucas Vasconcellos (que já havia produzido o álbum Amor em tempos nublados), exceto nas faixas “João e Mariá”, que foi produzida por Guto Brant, e “Palavra cruzada”, que foi produzida por Jongui, em Maré vermelha, Mihay é acompanhado por Lucas Vasconcellos, Robson Riva e Guilherme Held, e conta com as participações especiais de Assucena e Thiago Pethit, nos vocais (também responsável pela preparação vocal), e Guizado, no trompete, em “Coração no lixo”, faixa que antecedeu o álbum e ganhou um videoclipe, dirigido por Pri Garcia e Mihay; João Donato, no vocal e no piano, em “João e Mariá”; Romulo Fróes, no vocal, e um coro formado por Sérgio Pererê, Raquel Coutinho, Pedro Morais, Mari Blue, Clara Delgado e Guto Brant, em “Seu carnaval descansa”. Os arranjos são assinados por Lucas Vasconcellos e Robson Riva.
Versando sobre impermanência, reconstrução e esperança na transformação através do amor, Mihay é preciso no discurso e no desenvolvimento de canções maduras, que, ao contrário da palavra-chave do conceito, têm tudo para permanecerem ao longo do tempo, independente da alternância das marés.
Coluna publicada no site Itaú Cultural por: Jorge Lz
Carioca, radialista, curador, pesquisador musical, produtor cultural e DJ. Produz e apresenta o programa semanal Na ponta da agulha, na Rádio Graviola, é curador do Festival levada e integra o Radialivres, coletivo de radialistas do Brasil. Foi idealizador e curador do Festival BRio e do projeto Verão musical no Castelinho, e produziu e apresentou os programas Geleia moderna, Radar e Compacto, na Rádio Roquette-Pinto
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